sábado, 25 de abril de 2009

Um Príncipe

Vem conduzir as naus, as caravelas,
Outra vez, pela noite, na ardentia,
Avivada das quilhas. Dir-se-ia
Irmos arando em um montão de estrelas.
(Camilo Pessanha in Clépsidra)



Nos caminhos em que suavam as velas,

em azuis desertos, quási sólidos,

vinham e iam volteios de cigarras,
em bamboleantes cercos de miragem.

Anil fundido, estrelas sempre,

azul alternando-se

ante rostos cavados pela maresia.

Ao fundo,

entre dois pontos,

um sonho,

dum Príncipe

com um só anelo:

arar as águas,

cultivar a liberdade!
(imagem retirada da net)






segunda-feira, 6 de abril de 2009

entrelinhas...

Escrevo para me não esquecer
de que devo escrever.
Raspo o suor,
escorro-o sobre as letras,
escavadas.
Ainda não encontrei a palavra,
a maldita, mal dita palavra.
Sobro-me: entre dois pontos,
uma vírgula ou um ponto final.
As mãos, a cabeça,
ferem-se duma esmola
de expressão.
O português foge-me,
escapa-se-me entre dois,
três dedos.
Remiro,vejo e revejo.
Onde está o que desejei?
O início?
Par de bandarilhas, uma pega de caras,
eis tudo.
Uma vaga volta à arena, sem triunfo ou ânimo, talvez.
(...)
Eis-me aqui.
Todo.

(originalmente publicado no meu blogue sopro divino)

quarta-feira, 1 de abril de 2009

A língua secreta


Ela disse papel quando queria dizer tesoura.
Ele retribui-lhe o jogo de palavras dizendo pedra
quando queria mesmo falar em flor.
Ela olhou para o jovem num brilho intenso de sol,
mas suas palavras vagaram pelo céu da boca
de forma burocrática e sem sal...
Ele quis comentar com a garota de seus sonhos
que os olhos dela eram profundos como o mar,
mas as suas palavras ficaram congeladas
apenas na superficialidade de um iceberg
vagando sem destino num copo de cerveja polar...
A história de homens e mulheres
é escrita mais com silêncios do que discursos;
mais com dúvidas do que certezas.
Quando a boca da amada diz não,
seus olhos contraditórios dizem talvez;
quando ele investe na conquista,
teme o não da bela, adormecida em seu sonho,
mais do que a ira de um exército de bárbaros,
destruindo tudo o que encontram ao redor.
Entre o pensar, o falar e o escrever
há uma estranha língua secreta
que ninguém ousa psicografar,
e que nenhum iniciado poderá decifrar.
Somente os poetas e os loucos veem algo
onde nada é dito nem declarado...
Tudo é subentendido, implícito, tácito...
Apenas os sonhadores vivem para acreditar
que as palavras podem transformar o mundo.
Há uma língua secreta a ser decodificada
toda vez que alguém se cala dentro si
e apenas consigo mesmo consegue dialogar.
Há um código secreto vivo na linguagem
toda vez que alguém diz algo sem sequer falar...

José Antonio Klaes Roig

Obs.: Imagem extraída da internet, endereço abaixo
http://proudworld.blogspot.com/2008/02/menina-trabalhadora-e-senhora-dvida.html

poema em enredo

(imagem retirada da net)


(...) encontrar um poema
nos bolsos duma gabardina amiga.
Entrevê-lo entre duas gargalhadas,
ao entardecer d'avenida,
entre pombos e migalhas.
Vislumbrar o poema,
ingeri-lo de cor,
derramá-lo em cascatas.
Circulará hoje esse poema?
Fará leitura geográfica
em cátedra impante?
Ou será um bilhetinho,
passado à socapa,
entre dois trejeitos
e um bafiento sorriso?
(inspirado em moriana)
(publicado no meu blogue www.soprodivino.blogspot.com)